terça-feira, 19 de outubro de 2010

          FUGA











Ó Deus do universo!...
Deus dos cometas,
Deus dos infernos,
Deus dos gametas,
Deus dos calcetas.


Procuro-te em minhas entranhas
Em muitas lutas estranhas
Deste mundo obscuro e falseta.

Ó Deus de tantos mortos!...
Quero viver nos esgotos
Vestir trajes rotos.
Não quero mais viver o conforto.
Quero perder-me do rumo
Fugir a cada segundo
Das lutas cruéis
Escarcéus, do consumo,

Quero voltar a ser feto
Logo depois...
Esquecer-me do mundo.

19/10/99 Fpolis
     DIVAGAÇÕES










O dia passa, a noite chega,
No silêncio das minhas reflexões
Encontro me perdido em divagações,
Fruto e anseios de mil seduções.

Olho a noite e não encontro o dia.
Sinto o coração, mas só pulsa a solidão.
Procuro nos céus a minha estrela guia
Só encontro a escuridão.

Viajante...
Que fazes pelos caminhos do mundo?
Sombra perambulando sem porto seguro
Com olhar apagado como moribundo?...


Não sei!... Não sei!...
Apenas quero entender
Como no cenário que representa a vida
Posso ser feliz e nunca mais sofrer.

20/10/97 Tabatinga - AM

SAUDADE













Silêncio!... Silêncio!... Escuta!...
É a saudade que bate
Sem constrangimento,
Não importando se o som que repercute,
Deixa em seu caminho dor e sofrimento.


Silêncio!.. Silêncio!...Escuta!..
É novamente a saudade
Que hoje te encontra,
Nas lágrimas das lembranças
De tempos idos em muitas andanças.


Silêncio!... Silêncio!... Escuta!...
Outra vez é a saudade
Que te chama a reflexão,
Mostrando as lições da vida
Onde as melhores experiências colhidas
Iluminam a alma em evolução,
Sublimando as fibras
Mais sensíveis do coração.


20/10/97 Tabatinga - AM

domingo, 4 de abril de 2010

A POESIA

(Adyr Pacheco)









 


A poesia?...
-É a minha menina vadia
Luz que refulge e irradia
Num pequeno espaço do dia.


A poesia?...
ƒ minha fantasia de pura orgia,
Minha companheira minha alegria,
Minha eterna sinfonia.


Em suas asas sou gigante
Vivo um sonho a cada instante,
Sou um ser triunfante.


Tu és poesia...
Minha cara amante
Despindo-se do véu,
E eu!... teu parceiro  fiel.

(Florianópolis   19/10/99 )

SEDE

(Adyr Pacheco)









Sedento
Nesse beber eterno
Do saber sem resposta,
Vejo o ser que se apega,
O ente que se busca
No “em si” que se nega.


Quero rever o Olimpo.
Os mitos da Teogonia
O espírito de Heródoto
E Homero na mitologia.
Quero as mulheres de Atenas
Na dança do Oráculo.
As Sibilas em Delfos
No descortínio do futuro.


Quero entender o caos
Fugir deste poço escuro.
Tentar a compreensão
Derrubar os tantos muros.
Estar com Thales
Na eterna contemplação,
Sendo amante da Sophia
Vivendo a cosmogonia
Na melodia da criação.


(Florianópolis 22/ 08/ 02 - 17:00)

quarta-feira, 24 de março de 2010

SONETO DA FIDELIDADE - VINICIUS DE MORAES

TROVADOR

(Adyr Pacheco)









 

No rumo de uma sombra
O trovador chorou.
Era um choro triste e lento
Na forma profunda
De um lamento.
A página da mocidade findou.
Uma boca de mulher,
Um leito, a vida impura.
Ante a sepultura
Um canto abandonado.
E o moço...
Ah! Aquele moço
Que era eu em doce lira
A musicar uma canção,
Quantos versos em sintonia!
Agora em oração
O céu em cortesia,
Abre-se ao trovador
Num sorriso de ironia.


(Florianópolis 16/07/04 - 15:20)

DE REPENTE

(Adyr Pacheco)






 
De repente,
Como se não fosse nada
Fugi da loucura.
E estou aqui
Hóspede na clausura,
Procurando atenção
Como doente sem cura.

De repente
Vivo o momento.
Considero as mudanças
Na oportunidade que se abre.
Mas não sei se a voz
Que em mim cala sabe,
De alguma luz que se consagre.

Pobre homem!
Que de repente
Confuso, é um intruso
Na cela sem nada
Sem chance alcançada,
Na agonia aflita
Pobre e desnudo.

Num poço abandonado,
Sou um menino neste poço.
Convidado sem louvores
Numa casa sinistra.

De repente e mais que de repente,
Já não tenho mais vista.
Não percebo a claridade
Da irradiante mocidade,
E não enxergo os meus erros
Nas pseudos verdades.

De repente... de repente...
Sou espectro andando cego
No mundo sentenciado
Tateando nas paredes
Como espírito renegado.

(Florianópolis 17/07/04 - 21:30)

ANA CAROLINA - POEMA DA ÉTICA

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

VIOLÃO AMIGO

(Adyr Pacheco)









Noite de solidão à luz da lua
Choram saudosos na deserta rua,
Plangentes violões em nostalgia
Nos acordes sonoros da boemia.


Cínico, vadias nas noites sombrias,
Nas cordas vibrantes das suas melodias
Testemunho de alegrias tristezas e dores,
Dos muitos amantes e falsos amores.


Madeiro amado és meu conselheiro
Das noites insones em nostalgia,
Leal amigo no solitário calvário;

Perfumas a alma de teu companheiro,
Madeiro amigo sincero parceiro
Teu som celestial é bálsamo ao seresteiro.

(Florianópolis 01/12/99 -10:30)

PERFUME DA ACÁCIA

(Adyr Pacheco)








Viajando espaços
Entre mundos etéreos,
Deparei-me com um SER
No distante Oriente
Que se manifestava
Em corpo luminescente.
Celeste perfume
De suave essência me envolvia.
Percebia o nobre aroma
Que daquele SER exalava.
Profundamente emocionado
Ante celestial encontro,
Entre lágrimas de gratidão
Prostrei-me ajoelhado.
Ao meu lado,
Rompendo-me a escuridão
Aquele SER elevado
Explicou-me com fidalguia,
Este é o perfume da ACÀCIA
Símbolo da sabedoria.
Seu ramo representa
A alma do MESTRE Hiram
Luz da Maçonaria.


(Florianópolis 17/01/2010 - 06:28)



FILHO MEU

(Adyr Pacheco)
(Poema publicado na II antologia / Grupo de Poetas Livres                 - ano 2000)








 

Filho, filho meu,
Que fazes dos sonhos teus?...
Perambulas como sombra,
Como sombra te escondes
Nos escombros de teus atos,
Atos mortos, obscuros absortos,
Sem canto nem encanto
Entretanto sem ponto?

Filho, filho meu.
Onde encontram-se os sonhos teus?...
Pelas ruas, sem luas, escuras,
Escuras ruas,
Fugindo ao próprio Deus.
Pisando na sorte,
História sem corte, sem norte,
Esquecido da vida sentida,
Vivida, tão surda tão muda doída,
Abrindo feridas pensando ser forte?

Filho, filho meu,
Arranque do coração teu...
Os comportamentos tão lentos, violentos,
Na arrogante e constante pirraça sem graça,
No desafio fraco, sombrio, sem brio,
Afônicos, irônicos nos pensamentos teus,
Criando em momentos, tormentos cruentos,
Levando todos ao inferno de Orfeu.

Filho, filho meu,
Organiza os pensamentos teus...
Na lembrança, a esperança da bonança,
Da criança que um dia tu viveste,
Sentindo, caindo, pedindo
Auxílio aos pais teus,
Que nas lutas tão brutas, tão curtas,
Amparam-se ao grande Deus.

Filho, filho meu,
Onde estão as crenças tuas?...
Tão nuas, tão cruas, tão só tuas?...
Onde tudo se perdeu?...
Onde o desejo ardente,
Ciente, da mente decente,
Das horas contentes, luzentes,
O que aconteceu?
Pra que as horas tão tortas, tão mortas ?
Pra que filho meu ?...


(Tabatinga,  AM  02/ 11/ 97 -  05:50)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

MEMÓRIAS DE SENZALA - III (PAI THOMÉ)

(Adyr Pacheco)












...E era bonito a gente ver.
Nego José sentado ao toco
Com Pai Thomé ao alvorecer,
Contando contos muito faceiros,
Histórias lembravam ali no terreiro.
...E José acompanhava
Cada palavra que se revelava.
Saciava-se frase a frase
Absorvendo toda mensagem.
Eram mensagens de vida,
De esperança em novos tempos.
Eram mensagens de alimento
À fé no Senhor do firmamento.


Vez por outra,
Pai Thomé interrompido
Era então interrogado
Pra se ver esclarecido.
E ali ficavam  em risos
Os alvos dentes mostrando.
Sob a manta dourada do Sol
O palheiro companheiro
O fumo de corda ao lado
Serenamente fumando.
E perdiam-se no tempo
Como dois seres alados ...


(Fpolis  02/05/02   - 00:30)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

BOLERO

(Adyr Pacheco)












Madrugada,
Corpos que se cruzam
E a música me encontra
No compasso do bolero.
Dois pra lá,
Dois pra cá.
A sensualidade,
O ritmo,
Perfume de mulher.
La Barca,
História de un amor,
Nosotros, Sabra Dios.
Encanto, nostalgia,
Sussurros, promessas,
Afagos, abraços,
Uma mulher a sonhar.
A mágica melodia
Na leveza dos passos,
A dança,
Rostos colados,
Corpos suados
E me faço eterno
No abraço da noite
Em suave ninar.


(Fpolis  26/ 08/ 02  -11:45)






MISTÉRIO DO SER

(Adyr Pacheco)










 

É misterioso o ser...
Reflexos dos porões
Da consciência - ou do ego?
Mas caminho cego
Em meu entardecer.
Corpo curvado
Sob o peso do passado,
São grisalhos os cabelos
No tempo consumado.
Histórias, memórias...
E agora...
O que importa
Se fechada ou aberta
Encontra-se a porta.


(Fpolis  17/06/08 - 09:10)


ENCANTO

(Adyr Pacheco)









O mar, um cantinho entre as pedras,
Uma praia, só nos dois.
Relembrar nossas histórias,
Nossas glórias, nossas vitórias.
E depois...


No barulho das ondas
Viver, sentir nossos valores.
Esquecer os dissabores,
Num instante, um beijo ofegante,
Momentos de prazer...

O mar, uma onda, a areia.
Olho-te, me olhas, és minha sereia.
Nos amamos, somos um...
Esquecidos de tudo, do mundo
Sem mácula,  ou passado.
Só um mágico encanto...
Profundo!...
De prazer!!!...


 (Fpolis  02/04/00 - 19:00)

NEGO ZÉ

(Adyr Pacheco)

  










Ocês qué mi cunhecê?...
Intão vô dize a ocês.
Eu mi chamo nego Zé.
Não sô o Zé da Silva,
Ou o Zé de Andrade,
Nem o Zé alfaiate
Nem tampouco o Zé,
Fio do seu Romeu
Que as veiz
Até dá uma de Cirineu.


Sô apenas o nego Zé
Um simples escravo.
Sô escravo do norte,
Sô um nego forte
Que fugindo com sorte
Deu de cara com a morte.
Partiu nego Zé!!!
Dizem até por aí
Confesso que escutei,
Que o danado não morreu,
Sua alma é que se escondeu
De tanto que o nego sofreu.


(Florianópolis 20/10/99 - 01:00)



HERESIA

(Adyr Pacheco)












Ó homens loucos
De lucidez encravada.
Ó almas loucas
De consciência alterada.
Abortai do útero
A insensatez
Do malfadado ato,
A heresia de teu credo
Presença obscura do ego.
E foge de teu ser
Na abstrata presença
Onírica do caos
Sem sentido no espaço
No ocaso do eco.
Ó insensatos
Que espectros navegais
Entre os absurdos
Das próprias torpezas
Em tantos ais.
Onde está a consciência
Dos chamados racionais?...


(Florianópolis 10/10/02 - 16:45)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

REPENSANDO

(Adyr Pacheco)











Repenso as métricas
Das minhas prédicas.
E nesta viagem
Entre as tantas réplicas,
Me vejo o poeta
Transitando entre retóricas
Lembrando passagens históricas.
Vivendo o abstrato,
Pinto meu próprio retrato
Nas cores do surrealismo.
Relembrando o obscurantismo,
Vejo-me no ostracismo
Com a escuridão do pessimismo.


Repenso a vida,
Nas lidas feridas doídas.
Deus entre os ateus e fariseus.
Os céus e os infernos eternos
Os homens nos seus belos ternos.


Repenso o tempo, o vil momento
Da história mal traçada.
Repenso o poeta
Nas tantas prédicas
Traçando réplicas céticas.
Na força das minhas métricas,
Nos versos às vezes complexos
Outros singelos ou mesmo sem nexo,
Levo ao mundo o meu abraço
Com o traço do homem casto.

(Natal - RN   -19/10/00 - 11:45)
Reforma Ortográfica - NOVAS REGRAS
www.reformaortografica.com/

domingo, 24 de janeiro de 2010

William Shakespeare - VOCÊ APRENDE

O MENDIGO E O CÃO (Crônica)

(Adyr Pacheco)

Um dia destes ao passar pela praça da alfândega, deparei-me com a figura de um mendigo e seu cão.

O mendigo encontrava-se estirado ao chão tendo as pernas cobertas de ulcerações. Por sua vez o cão lambia carinhosamente aquelas pernas que por certo deveriam proporcionar-lhe muitas dores.

Parecia-me que a cada lambida do cão, as dores amenizavam-se trazendo-lhe uma sensação de bem estar e frescor.

Era aquela cena, uma imagem diferenciada do todo, traduzindo reações inusitadas de nojo por alguns transeuntes e total indiferença por outros.

Por ali, permaneci por algum tempo, analisando a cena um tanto bizarra do cão que lambia o seu dono e, por ele, também era abraçado em uma troca de afeto e carinho como grandes e verdadeiros amigos. Era a interação da amizade de homem e cão.

Logicamente aquela cena chamou-me à reflexão. Ante a necessidade dos verdadeiros exemplos, que carecemos em nossa sociedade que não se cansa de fazer apologia às hipocrisias, embrenhando-se pelos caminhos das falsas “verdades”.

E aquela massa passava cabisbaixa, com pressa, envolvida com suas dificuldades e necessidades, que na complexidade dos mares da vida em virtude das ondas de interesses vários navegavam. Alguns rostos sofridos, outros indiferentes e eu ali presenciando toda aquela gente.

O mendigo e o cão percebi - eram exemplos.

A amizade que os ligavam era real, fazendo inveja a todos que com um mínimo de atenção aquele quadro presenciassem.

Carecemos mais que nunca do exemplo da amizade demonstrada pelo mendigo e seu cão.

Não podemos chamar a sociedade de cachorra, porque certamente estaremos ofendendo os pobres cães que se oferecem em amizade transparente, sem hipocrisias, interesses e sem máscaras.

Nossa sociedade infelizmente carece profundamente de amizades leais e verdadeiras, como as proporcionadas pela humilde dupla estirada naquele chão da alfândega.

Oh! Deus, quando será que o homem deixará de se conduzir pelos instintos ainda animais e sua forma inconsciente de ser irracional? Quando meu Deus, a consciência haverá de se desabrochar em sua forma hominal para que se apresente o ser verdadeiramente racional?

Mais repugnante que o cão lambendo o seu dono, é a hipocrisia estampada na face de cada um de nós que nos apresentamos com caras de “bons moços”. No tapinha nas costas com um “meu querido”, estampando um falso carinho. No sorriso irônico de superioridade traduzindo palavras bem pensadas em colocações mentirosas e bem conduzidas.

Mendigo e cão eram exemplos, sim, é bem verdade, em um mundo de contradiçôes e falta de lealdade.

Infelizmente a máscara dos homens, não lhe permite abrir as portas e as janelas da casa de sua alma para a verdadeira amizade, lançando-o na solidão das desconfianças ou nos labirintos das mentiras e traições.

Para nossa tristeza, percebemos então que a força dos interesses imediatistas, (e somente eles importam) situam-se como fatores claramente dominantes, sendo a tônica dos relacionamentos desses pobres seres chamados “humanos” – infelizes almas indecentes.

Mendigo e cão, (exemplos a esses homens nojentos, que vivem sedentos do sangue de seus irmãos) transcendiam nesta tela, a um mundo divino, na beleza cristalina da visão de um Michelangelo, Da Vinci ou Aleijadinho.

O homem, refratário das leis da natureza, terá com certeza o seu horto nas lágrimas da desilusão, sentindo a falta de amizade na solidão das cavernas, entrincheirado nas sombras do desprezo, pedindo a morte por compaixão.

(Florianópolis 11/11/03 - 10:15)

ORIENTAÇÃO

(Adyr Pacheco)











Desnuda-te ó espírito
De tua arrogante postura,
Conquista logo a candura
Em teu coração perturbado.
Pois ao espírito renegado
Também é dado o conforto
Que Jesus deixou no horto
Antes de ser crucificado.


(Florianópolis 13/10/03 - 11:50)

DESERTO

(Adyr Pacheco)










No deserto
De minhas angústias,
Bebo o meu silêncio
Sem hora e sem tempo.
O vento sopra
Roçando meus ouvidos
Parecendo um amigo
Ansiando contar-me
Segredos.
Sem abrigo,
Já um tanto envelhecido,
Busco então no imaginário
A imagem do calvário
De um Jesus compadecido.

(Florianópolis  05/10/03 - 09:15)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

“...Calo-me ante a síntese,
De um passado
Raptado no tempo.
E a brisa em sussurro me afaga
Com o hálito
Da nostalgia e da saudade.”
(Adyr Pacheco)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

SONETOS - VINÍCIUS DE MORAES

O LAVRADOR POETA

(Adyr Pacheco)



A manhã aproximava-se e o canto dos pássaros na mata denotava grande alegria reverenciando o dia prestes a chegar. Percebia-se que aquele recanto; um pequeno paraíso escondido do mundo, exalava felicidade e harmonia. Os moradores acordavam-se cedo, com o cantar dos pássaros, preparando-se para a labuta diária na terra.

Em todos os cantos sentia-se um profundo bem estar e um aroma de grande paz espiritual, movido talvez, pelas características simples e humilde de seus moradores e, da paradisíaca beleza daquele pequeno rincão, protegido pelos caprichos da natureza, com sua mata, pássaros, cachoeiras e cascatas.

...Neste recanto perdido do interior, morava um lavrador que sonhava em ser poeta. Imaginava-se recitando em eventos de variados matizes. O teatro, um grande público em delírio aplaudindo-o. Assim passava muitas horas viajando em seus sonhos e anseios “inalcançáveis”.

Quando amanhecia, o lavrador poeta já estava na roça dedicando-se à sua labuta cotidiana.

No recanto em que trabalhava a terra plantando suas hortaliças, verduras e legumes, sentia-se verdadeiro soberano daquele reino intocável. Ali, era rei e senhor de sua própria natureza e realidade comungando-se com as suas mais íntimas verdades. Ninguém opinaria ou lhe daria o mínimo palpite que fosse. Governava como senhor absoluto aquele pedaço de terra. Era este recanto humilde, seu reino e seu céu, o mundo em que desenhava infinitas possibilidades de realizações nesta existência.

O poeta lavrador, era por sua vez um homem feliz. O arado, a pá, a enxada, tomavam conta de seu tempo, não lhe permitindo possibilidades de desânimo ou tristezas. O tempo o absorvia com as preocupações da terra.

Nos momentos de relaxamento, situação em que saboreava um gostoso “palheiro”, perdia-se o lavrador nas lembranças de seu passado. Relembrava a infância, os amigos, os amores, às intempéries, as pragas que destruíam as lavouras, enfim, um mundo de recordações descortinava-se a sua frente. Nesta oportunidade, o agricultor deixava-se levar pela inspiração. Transpirava poesia, elevava-se aos mais altos cumes acompanhado pela sua musa inspiradora. Elevava-se ao Monte Olimpo, no encontro sublime com os Mitológicos Deuses de Homero. Recitava aos pássaros, às flores, às matas e aos ventos. Cantava a beleza da terra e de todo o firmamento. Nos versos simples, contava suas histórias e memórias, tristezas, dores, esperanças, alegrias e desilusões.

Aureolado pelo brilho que envolve as almas puras de coração, o poeta, neste momento, sofre grande transfiguração. Armara-se ali, um cenário especial de pura magia em pleno coração da natureza. Perfuma-se a aragem em uma perfeita interação do céu com a terra sob o encanto de uma fragrância transcendental de essência celestial. Um anjo em trajes rústicos a embalar os planos da criação. À sua frente, imaginava multidões emocionadas com as estórias que em seus versos contava.

Assim vivia o poeta lavrador a cada dia de sua vida, repetindo cada gesto, na pá, na enxada e no arado. Ao anoitecer, o momento de descanso no aconchego de seu lar, sonhando com os raios do sol no abraço do novo alvorecer para mais um recital à natureza.

Sonhava é bem verdade, com os palcos da cidade, as praças públicas os grandes eventos, mas faltava-lhe coragem para encarar tão precioso mister. Sentindo-se inferiorizado, ocultava-se com seu precioso talento. Desconfiado, plasmava na imaginação pré concebida, a imagem de sua “incompetência” - forma inferiorizada em que se colocava.

A coragem não era o seu forte.

-Deixar-se ridicularizar? Nunca! mas nunca mesmo. Preferia antes, enfiar-se numa toca escura e nunca aparecer para mais ninguém, do que submeter-se a tamanha vergonha.

- Deus me livre! O que pensariam os amigos?

- Meu Deus! Quantas chacotas teria que enfrentar pela vizinhança afora?

- Não e não! Nunca me submeteria a tamanha situação.

Desta forma conduzia a vida o poeta lavrador. Todos os dias repetindo as mesmas atividades e recitando o seu espetáculo solo para a natureza.

Certo dia, o agricultor já sentindo o peso dos anos; cabelos esbranquiçados pelo tempo e, enfraquecido, descobre-se abandonando o corpo que o servira nesta jornada.

Ao chegar nas esferas superiores, é recebido por uma corte de amigos inimagináveis. Por todos os lugares em que ele passava, lia trechos de poesias que reconhecia serem suas. Os versos, estavam escritos em letras douradas e iluminadas, distribuídos por todos os cantos estratégicos daquele recanto do espaço em que aportara.

Percebia o lavrador, que em sua passagem, muitos pássaros dobravam o seu canto em belos gorjeios num espetáculo indescritível de virtuosismo como um hino de louvor. Vários animais em reverência, acompanhavam a “procissão” num ato de carinho e respeito. Escutava suavemente, vozes diamantinas em emocionantes corais elevando ao alto hinos de gratidão com as letras que outrora envergonhara-se de mostrar.

Emocionado, pergunta ao amigo espiritual que o acompanha sobre o motivo de sua surpresa por tamanha manifestação. Responde-lhe o amigo, que aqueles versos, quando recitados por ele, (lavrador) na labuta da vida diária, vitalizavam toda a natureza fortalecendo a terra, dando beleza às flores, alegrando os animais, pássaros, as matas e até mesmo o vento, que muitas vezes o acariciava emocionado e agradecido sem que o poeta viesse perceber.

Com a sua récita, facilitava todo o trabalho da natureza, proporcionando leveza à atmosfera, distribuindo energias edificantes e sublimares, suavizando por sua vez, o peso das dificuldades dos companheiros de labuta.

Percebeu então, que na simplicidade de sua vida, construíra um mundo de alegrias e uma atmosfera de realizações e felicidade à sua volta. Conquistara seu passaporte para a viagem a outros planos de realizações edificantes. Pleno de satisfação, seguiu com o coração palpitante de felicidade e alegria. Sentia na acústica do ser, as vibrações energético-espirituais que lhe conduziam a eloqüência dos versos traduzidos. O poeta não suporta mais a emoção e chora. As lágrimas invadem-lhe o coração rompendo as comportas dos olhos lavando-lhe a face. Chora o poeta, agradecido ao maior de todos os poetas, o Senhor do Universo, que bondosamente lhe reservara no cenário deste mundo, aquele humilde personagem para encenar seu espetáculo no palco da existência.

Parte agora o poeta, ao encontro de um mundo novo, com o compromisso de novos trabalhos em outros planos da criação.

...E o lavrador poeta transcendendo sua natureza rústica, vê-se aureolado de luzes adentrando outros portais, fazendo seus recitais para o aplauso do universo em festa.

(Florianópolis 26/11/03 - 00:05)