(Adyr Pacheco)
A manhã aproximava-se e o canto dos pássaros na mata denotava grande alegria reverenciando o dia prestes a chegar. Percebia-se que aquele recanto; um pequeno paraíso escondido do mundo, exalava felicidade e harmonia. Os moradores acordavam-se cedo, com o cantar dos pássaros, preparando-se para a labuta diária na terra.
Em todos os cantos sentia-se um profundo bem estar e um aroma de grande paz espiritual, movido talvez, pelas características simples e humilde de seus moradores e, da paradisíaca beleza daquele pequeno rincão, protegido pelos caprichos da natureza, com sua mata, pássaros, cachoeiras e cascatas.
...Neste recanto perdido do interior, morava um lavrador que sonhava em ser poeta. Imaginava-se recitando em eventos de variados matizes. O teatro, um grande público em delírio aplaudindo-o. Assim passava muitas horas viajando em seus sonhos e anseios “inalcançáveis”.
Quando amanhecia, o lavrador poeta já estava na roça dedicando-se à sua labuta cotidiana.
No recanto em que trabalhava a terra plantando suas hortaliças, verduras e legumes, sentia-se verdadeiro soberano daquele reino intocável. Ali, era rei e senhor de sua própria natureza e realidade comungando-se com as suas mais íntimas verdades. Ninguém opinaria ou lhe daria o mínimo palpite que fosse. Governava como senhor absoluto aquele pedaço de terra. Era este recanto humilde, seu reino e seu céu, o mundo em que desenhava infinitas possibilidades de realizações nesta existência.
O poeta lavrador, era por sua vez um homem feliz. O arado, a pá, a enxada, tomavam conta de seu tempo, não lhe permitindo possibilidades de desânimo ou tristezas. O tempo o absorvia com as preocupações da terra.
Nos momentos de relaxamento, situação em que saboreava um gostoso “palheiro”, perdia-se o lavrador nas lembranças de seu passado. Relembrava a infância, os amigos, os amores, às intempéries, as pragas que destruíam as lavouras, enfim, um mundo de recordações descortinava-se a sua frente. Nesta oportunidade, o agricultor deixava-se levar pela inspiração. Transpirava poesia, elevava-se aos mais altos cumes acompanhado pela sua musa inspiradora. Elevava-se ao Monte Olimpo, no encontro sublime com os Mitológicos Deuses de Homero. Recitava aos pássaros, às flores, às matas e aos ventos. Cantava a beleza da terra e de todo o firmamento. Nos versos simples, contava suas histórias e memórias, tristezas, dores, esperanças, alegrias e desilusões.
Aureolado pelo brilho que envolve as almas puras de coração, o poeta, neste momento, sofre grande transfiguração. Armara-se ali, um cenário especial de pura magia em pleno coração da natureza. Perfuma-se a aragem em uma perfeita interação do céu com a terra sob o encanto de uma fragrância transcendental de essência celestial. Um anjo em trajes rústicos a embalar os planos da criação. À sua frente, imaginava multidões emocionadas com as estórias que em seus versos contava.
Assim vivia o poeta lavrador a cada dia de sua vida, repetindo cada gesto, na pá, na enxada e no arado. Ao anoitecer, o momento de descanso no aconchego de seu lar, sonhando com os raios do sol no abraço do novo alvorecer para mais um recital à natureza.
Sonhava é bem verdade, com os palcos da cidade, as praças públicas os grandes eventos, mas faltava-lhe coragem para encarar tão precioso mister. Sentindo-se inferiorizado, ocultava-se com seu precioso talento. Desconfiado, plasmava na imaginação pré concebida, a imagem de sua “incompetência” - forma inferiorizada em que se colocava.
A coragem não era o seu forte.
-Deixar-se ridicularizar? Nunca! mas nunca mesmo. Preferia antes, enfiar-se numa toca escura e nunca aparecer para mais ninguém, do que submeter-se a tamanha vergonha.
- Deus me livre! O que pensariam os amigos?
- Meu Deus! Quantas chacotas teria que enfrentar pela vizinhança afora?
- Não e não! Nunca me submeteria a tamanha situação.
Desta forma conduzia a vida o poeta lavrador. Todos os dias repetindo as mesmas atividades e recitando o seu espetáculo solo para a natureza.
Certo dia, o agricultor já sentindo o peso dos anos; cabelos esbranquiçados pelo tempo e, enfraquecido, descobre-se abandonando o corpo que o servira nesta jornada.
Ao chegar nas esferas superiores, é recebido por uma corte de amigos inimagináveis. Por todos os lugares em que ele passava, lia trechos de poesias que reconhecia serem suas. Os versos, estavam escritos em letras douradas e iluminadas, distribuídos por todos os cantos estratégicos daquele recanto do espaço em que aportara.
Percebia o lavrador, que em sua passagem, muitos pássaros dobravam o seu canto em belos gorjeios num espetáculo indescritível de virtuosismo como um hino de louvor. Vários animais em reverência, acompanhavam a “procissão” num ato de carinho e respeito. Escutava suavemente, vozes diamantinas em emocionantes corais elevando ao alto hinos de gratidão com as letras que outrora envergonhara-se de mostrar.
Emocionado, pergunta ao amigo espiritual que o acompanha sobre o motivo de sua surpresa por tamanha manifestação. Responde-lhe o amigo, que aqueles versos, quando recitados por ele, (lavrador) na labuta da vida diária, vitalizavam toda a natureza fortalecendo a terra, dando beleza às flores, alegrando os animais, pássaros, as matas e até mesmo o vento, que muitas vezes o acariciava emocionado e agradecido sem que o poeta viesse perceber.
Com a sua récita, facilitava todo o trabalho da natureza, proporcionando leveza à atmosfera, distribuindo energias edificantes e sublimares, suavizando por sua vez, o peso das dificuldades dos companheiros de labuta.
Percebeu então, que na simplicidade de sua vida, construíra um mundo de alegrias e uma atmosfera de realizações e felicidade à sua volta. Conquistara seu passaporte para a viagem a outros planos de realizações edificantes. Pleno de satisfação, seguiu com o coração palpitante de felicidade e alegria. Sentia na acústica do ser, as vibrações energético-espirituais que lhe conduziam a eloqüência dos versos traduzidos. O poeta não suporta mais a emoção e chora. As lágrimas invadem-lhe o coração rompendo as comportas dos olhos lavando-lhe a face. Chora o poeta, agradecido ao maior de todos os poetas, o Senhor do Universo, que bondosamente lhe reservara no cenário deste mundo, aquele humilde personagem para encenar seu espetáculo no palco da existência.
Parte agora o poeta, ao encontro de um mundo novo, com o compromisso de novos trabalhos em outros planos da criação.
...E o lavrador poeta transcendendo sua natureza rústica, vê-se aureolado de luzes adentrando outros portais, fazendo seus recitais para o aplauso do universo em festa.
(Florianópolis 26/11/03 - 00:05)